1.11.07

Ideias mestras

"Só me sinto longe de certas orientações da moda, que seduzem por isso alguns jovens geógrafos, de uma Geografia humana que estuda relações isoladas em espaços teóricos e abstractos, quando não há implantação ou actividade humana (mesmo a espiritual) de todo desligada de um quadro físico que a sustenta e em larga parte condiciona. [...]. A minha Geografia humana – ou antes, a face humana da Geografia – é feita com todos os sentidos: a visão que abrange os conjuntos e discerne e analisa pormenores significativos, o ouvido que surpreende o tilintar distante do rebanho ou o barulho agressivo da circulação mecânica, o cantar dos galos que anuncia o lugar próximo ou o silêncio de aldeias hindus, onde não se criam animais para o pecado de matá-los, o odor inconfundível dos bazares muçulmanos, composto principalmente do aroma das especiarias, que também se sente nos mercados do Brasil ou do México, o cheiro a mijo do deserto por onde passou ou acampou a caravana, o fartum estival da multidão comprimida no metropolitano, o incomparável acetinado das peles pretas sobre que tantas vezes estala o chicote [...], os sabores da cozinha popular, onde, como na Bahía, se combinam ingredientes originários das três partes do mundo – ponto de partida para o estudo de encontro e sedimentação de civilizações. Homo sum: humani nihil a me alienum puto! Mas como tudo isto está longe da Teoria económica em que se inspira uma das correntes da Geografia humana, onde os homens se diluem em relações quantitativas ou geométricas abstractas – sem negar a precisão e a pertinência de algumas das suas análises. Mas, fiel às ideias mestras da minha vocação, procuro manter-me também fiel à minha juventude liberal e tolerante”.


Orlando Ribeiro

Memórias de um Geógrafo, 2003


Fotografia: Orlando Ribeiro, Ilha do Corvo, Açores

2 comments:

Anonymous said...

...e o espaço físico dessa geografia é também, como diria o mestre aquilino, a magia suspensa da luminosidade que se altera com as horas, os dias, as épocas do ano e com estas a nossa própria forma de olhar o físico geográfico atribuindo-lhe todas as variáveis humanas de evoluir sempre num espaço novo.
Pensei que a paisa seria por mais tempo, mas ainda bem que voltaste.

Júlia Galego said...

É sempre muito bom reler O. Ribeiro. Tão esquecido, mas tão importante!