5.3.08

COMO MATAR OS INOCENTOS

Semana sim semana sim, nas aulas de arte, Mr.B. obrigava-nos a desenhar letras dolorasamente nítidas. Tinha tudo a ver com seguir regras e manter a tinta entre linhas direitas. O mais exactozinho, melhor. Até aos 16 anos de idade, eu pensava que ser artista era ter sapatos a brilhar e vincos perfeitos nas calças. Nunca nos foi mostrada uma imagem minimamente surpreendente. Desenhar uma coisa nova, que ideia! Num período em que a performance e a arte conceptual excitava e irritava pessoas de Tokyo a Nova Iorque, um estagiário que nos ensinou a fazer impressões de batatas fez-nos pensar que estávamos envolvidos em actividades subversivas.
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Mr.C ensinou-me tudo o que eu sei sobre a deslocação da àgua e a trajectória dos pêndulos. No entanto, sendo um fervoroso alpinista, passava a maior parte do tempo a demonstrar como se negociava a encosta norte do quadro. A sala de aula existia como paisagem do seu ego. Os que não suspiravam espanto pela sua arte, corriam o risco de serem punidos.
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Com a idade de 14 anos aprendi que os estudantes de história eram fotocopiadoras humanas. Mr. H estacionava-se a si próprio em frente da turma e retirava de uma decrépita pasta algumas também decrépitas folhas de onde lia m u i t o d e v a g a r. O nosso trabalho enquanto alunos era anotar as suas palavras ipsis verbis. isto aconteceu duas vezes por semana durante dois anos. Nós anotávamos " a verdade, toda a verdade enada mais do que a verdade" sobre os grandes ditadores do século 20 tal qual como nos dita Mr. H., decorávamos e regurgitávamos e era-nos dito que éramos bons rapazes. Na peça de Shakespeare Henrique IV Parte Dois, o rei, no seu leito de morte, aconselha o seu herdeiro a " busy giddy minds/ With foreign quarrels" ( Ocupar as mentes curiosas/ Com discussões alheias). Podia ter sido este o mote de Mr. H..
John Havelda, "Reler"

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