9.9.06

AUSÊNCIA


Pintura:Gauguin,Otahi(Sozinha),1893

Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desperados
Para que eu possa levar um gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como uma nódoa do passado.

Eu deixarei...tu irás e encostarás a tua face em outra face
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada
mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos portos silenciosos.
Mas eu te possuirei mais que ninguém porque poderei partir
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas
serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serena.

Vinicius de Moraes (Pela companhia quer nas leituras mais solitárias dos seus poemas quer com as suas canções mais quentes no colo de alguém...)

4 comments:

Anonymous said...

Retrato de mulher

Tem que ser à escolha.
Tem de mudar para que mude.
É fácil, impossível, difícil, vale a pena tentar.
Olhos tem, se necessário, ora azuis, ora cinzentos,
Negros, alegres, rasos de água sem motivo.
Dorme com ele como qualquer uma, única no mundo.
Dá-lhe quatro filhos, nenhum, um.
Ingénua, mas a melhor a aconselhar.
Frágil, mas carregará o fardo.
Não tem a cabeça no lugar, mas há-de ter.
Lê Jaspers e revistas femininas.
Não sabe para que serve o parafuso, mas constrói uma ponte.
Jovem, como sempre jovem, ainda jovem.
Segura nas mãos um pardal com a asa partida,
O seu próprio dinheiro para uma viagem longa e distante,
O cutelo da carne, a compressa e um cálice de vodka.
Para onde corre assim, não estará cansada?
De maneira alguma, um pouco, muito, mas não importa.
Ela ama-o, ou teima em amá-lo.
Para o bem, para o mal e por amor de Deus.

Wisława Szimborska Grande número (1976)

Telma said...

quem melhor que Vinicius de Moraes para falar de amor e de mulheres?! uma simbiose perfeita e indissociável... esse homem que se achava capaz de amar todas as mulheres do mundo...simplesmente belo;)

Telma said...
This comment has been removed by a blog administrator.
Anonymous said...

tear in the corner of the eye... to the sound of "don´t smoke in bed"... ;)